Consenso

USO DO MISOPROSTOL EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA
A obstetrícia e a ginecologia vivenciam a crescente utilização do misoprostol para indução do parto a termo, para o abortamento retido e feto morto, e para outras indicações, como o abortamento previsto em Lei e hemorragia pós-parto. A literatura médica aponta questões referentes à dose, vias de utilização, indicações e contra indicações. Embora grande conhecimento científico tenha sido acumulado nos últimos anos, a saúde pública ainda assiste às graves complicações advindas do uso inapropriado do misoprostol.
Para uma reflexão consciente e consistente que envolva um grupo de atores com excelência no uso do misoprostol, o Ipas Brasil, e a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro promoveram um evento no dia 3 de junho de 2005 no Rio de Janeiro.
Participaram do evento: Dr. Aníbal Faundes (Comissão de Direitos Sexuais e Reprodutivos da FIGO); Dra. Anna Christina Willemsens (Coordenadora do Serviço de Aborto Legal da Maternidade Fernando Magalhães); Dr. Alexandre Baptista Trajano (Professor Titular de Obstetrícia da UERJ); Dra Gisele O’Dwyer (ENSP/FIOCRUZ); Dr. Luiz Guilherme Pessoa da Silva (Chefe da Maternidade Pro-Matre); Dr. Marcus Dias (Coordenador de Saúde da Mulher do Município do Rio de Janeiro); Dr. Jefferson Drezett (Hospital Pérola Byington – SP), Dra. Leila Adesse (Diretora de Ipas Brasil).
O evento contou com 3 mesas-redondas, na parte da manhã, que apresentaram os seguintes temas: 1)
Misoprostol no abortamento previsto por lei, aborto retido e abortamento incompleto; 2) Misoprostol na
indução do parto a termo; 3) Misoprostol na profilaxia e tratamento do sangramento pós-parto. Na parte da
tarde, os convidados foram divididos em 3 grupos que discutiram e elaboraram um relatório final,
denominado Consenso do Rio de Janeiro.
Consenso do Rio de Janeiro - Relatório Final
Introdução
O misoprostol se destaca como um importante elemento dentro da atual ginecologia e obstetrícia. Nas situações de abortamento previsto por Lei, o misoprostol representa uma alternativa para garantir o abortamento em condições seguras e acessíveis para a mulher em situação de violência sexual, ou para a gestante com risco de morte ou que vivencia a gestação com anomalia fetal grave e incompatível com a vida. No aborto retido ou no óbito fetal intra-uterino as aplicações são igualmente importantes. Mais recentemente, deve-se reconhecer a aplicabilidade e a segurança do misoprostol na indução do parto a termo e seu papel potencial na redução das taxas de cesáreas.
Contudo, a grande diversidade de esquemas de administração do misoprostol, bem como a falta de um protocolo de utilização de consenso, tem levado a situações cada vez mais freqüentes de uso inapropriado. A situação se agrava na medida que se verifica que parte dos profissionais de saúde ainda tem escasso conhecimento ou pouca capacitação para utilizar o medicamento. Além disso, algumas aplicações do misoprostol em ginecologia e obstetrícia ainda demandam maiores investigações para serem incorporadas (ou não) nas rotinas dos serviços de saúde.
Este consenso teve como objetivo reunir os principais atores envolvidos com a prática clínica de utilização do misoprostol em ginecologia e obstetrícia. A discussão proposta pretendeu abordar dois aspectos da utilização do misoprostol: um aspecto técnico e científico referente às indicações, doses, vias e tempo de utilização; e um aspecto contextual referente aos limites e possibilidades de uso do medicamento. Para cumprir esse objetivo foram incluídos no grupo de participantes, além de especialistas e chefes de serviços, gestores municipais e estaduais (da saúde da mulher e da vigilância sanitária) e pesquisadores do misoprostol.
Como produto do trabalho obteve-se uma recomendação clínica de utilização do misoprostol nas situações e problemas a serem enfrentados. Em relação a esse cenário a ser modificado, duas recomendações se destacaram durante o consenso. Primeiro, que os hospitais que atendem o maior volume de violência sexual contra a mulher e oferecem o abortamento previsto por Lei, a maioria estabelecidos nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, não podem sofrer desabastecimento do misoprostol nem restrição de apresentações. Segundo, o diagnóstico de que a ausência de farmacêutico como responsável técnico em hospitais e maternidades, principalmente nas cidades do interior, têm restringido o acesso ao misoprostol e estimulado a compra irregular tanto por pacientes como por gestores e profissionais de saúde. Este relatório final representa a síntese dos principais temas discutidos.
1. Uso do misoprostol no abortamento previsto por Lei, abortamento retido e abortamento
incompleto.

1.1. Indicações nas situações de abortamentoAs seguintes situações de abortamento têm indicação do uso do misoprostol: a) abortamento previsto em Lei; b) abortamento retido; c) abortamento inevitável. Os casos de abortamento previsto em Lei devem atender ao previsto pelo Decreto-Lei 2848, incisos I e II do Artigo 128 do Código Penal Brasileiro, que incluem a interrupção da gravidez decorrente de violência sexual e nos casos de risco de morte para a gestante. Não existe suficiente evidência científica para recomendar, até o momento, o uso do misoprostol para tratamento de casos de abortamento incompleto.
1.2. Vias, doses, intervalos e tempo de utilização.
Embora se reconheça a efetividade do misoprostol quando administrado por via oral, sublingual ou retal, as
evidências científicas apontam a via vaginal como forma preferencial, aplicando-se os comprimidos nos
fundos de saco laterais. As doses a serem utilizadas dependem da idade gestacional. Até 12 semanas de
idade gestacional recomenda-se a dose total de 800 microgramas (mcg) em 24 horas, durante até dois
dias, em um dos seguintes esquemas: 800 mcg dose única; ou 400 mcg cada 12 horas; ou 200 mcg cada 6
horas. Entre 13 e 16 semanas recomenda-se a dose total de 400 mcg em 24 horas, durante até dois dias,
200 mcg cada 12 horas. Entre 17 e 22 semanas a dose deve ser reduzida para 200 mcg em 24 horas,
durante até dois dias, 100 mcg cada 12 horas. Após os dois dias de uso do misoprostol deve-se aguardar 72
horas pelo abortamento. Caso ele não ocorra, pode-se repetir o mesmo esquema de misoprostol,
considerando-se as condições clínicas e a concordância da mulher para manter o tratamento.
1.3. Critérios de acompanhamento e de interrupção do misoprostol.
As doses de misoprostol devem ser progressivamente reduzidas quanto maior a idade gestacional procurando-se adequar a menor dose efetiva possível. Recomenda-se que o misoprostol seja utilizado em regime de internação hospitalar. A interrupção do misoprostol pode ser feita em qualquer momento, caso seja esse o desejo da mulher.
Nesses casos, assim como nas falhas de tratamento, deve-se oferecer e garantir o acesso a outros métodos de interrupção da gravidez, como a aspiração manual intrauterina (AMIU) ou a dilatação e curetagem para os abortamentos de até 12 semanas de idade gestacional.
1.4. Indicação para a maturação do colo de útero.
O misoprostol pode ser utilizado para a preparação do colo de útero antes do procedimento de AMIU ou de
dilatação e curetagem. Nesses casos, deve ser administrado entre 4 e 6 horas antes do procedimento, na
dose única de 400 mcg via Vaginal.
1.4. Recomendação e cuidados.
A decisão do misoprostol como método de abortamento deve ser compartilhada entre profissionais de
saúde e a mulher, sempre respeitando sua autonomia de decidir de forma livre, consciente e informada. A
mulher também deve ser esclarecida sobre os eventuais efeitos desconfortáveis com o uso do misoprostol,
particularmente no que se refere a dor, e sobre as alternativas disponíveis de controle e redução desses
efeitos. Essas medidas são fundamentais para aceitação do método e para o preparo psicológico da mulher
antes de se iniciar o procedimento. Nas usuárias de DIU o mesmo deve ser retirado antes de iniciar a
administração da primeira dose de misoprostol. São contra-indicações para o uso do misoprostol: cesárea
anterior, cicatriz uterina prévia; abortamento infectado; e gravidez ectópica (suspeita ou Confirmada).
2. Uso do misoprostol na indução do parto.
2.1. Indicações para a indução do parto e para o amadurecimento do colo de útero. O uso do misoprostol pode ser feito nas situações de indicação obstétrica de interrupção da gravidez com feto vivo e sem comprometimento imediato da vitalidade.Também pode ser utilizado para a indução de parto com feto morto de termo ou prétermo.
2.2. Critérios de elegibilidade maternos.
Ausência de cicatriz uterina prévia ou de cesárea anterior. Contra-indica-se o misoprostol em casos de grande multiparidade.
2.3. Vias de administração, doses, intervalos e tempo de utilização.
Recomenda-se utilizar 25 mcg de misoprostol cada 6 horas, via vaginal. A administração deve ser iniciada
pela manhã e mantida até 20 horas (8-14-20 horas). Não se recomenda iniciar ou manter a indução do parto
com misoprostol após as 20 horas, pela maior dificuldade de manter rigoroso controle da atividade uterina e
da vitalidade fetal no período noturno. Caso não se obtenha sucesso, pode-se repetir o mesmo esquema de
tratamento no segundo dia. Se ainda assim não houver resposta deve-se avaliar a possibilidade de manter
esquema ou interromper a gravidez por outro método, sempre considerando as condições materno-fetais e
a concordância da mulher em manter o procedimento. A dose de 25 mcg pode ser insuficiente para a
interrupção de gestações com menos de 30 semanas de idade gestacional. Nesses casos, a dose pode ser
elevada para 50 mcg se não houver resposta satisfatória, mantendo os mesmos horários de administração.
Em se tratando de feto morto, a dose inicial de misoprostol deve ser de 50 mcg via vaginal, cada 6 horas.
2.4. Critérios de acompanhamento, recomendações.
Ocorrendo o início das contrações uterinas efetivas não se deve administrar novas doses de misoprostol. A associação concomitante do misoprostol com ocitócitos não deve ser realizada. O uso de ocitócitos, quando necessário, deve ser iniciado após 6 horas da última dose de misoprostol. A monitorização fetal, se possível eletrônica (cardiotocografia) é fundamental. Deve-se avaliar cuidadosamente os parâmetros de contratilidade uterina e atuar rapidamente nos casos de hiperatividade (decúbito lateral, tocólise, oxigenioterapia), de acordo com a rotina de cada serviço. As mulheres em indução de parto com misoprostol devem receber as mesmas rotinas estabelecidas pelo serviço para a assistência ao parto das demais mulheres.
3. Uso do misoprostol na profilaxia e tratamento do sangramento pós-parto.
Não existe suficiente evidência científica para recomendar, até o momento, o uso do misoprostol para o tratamento ou profilaxia do sangramento pós-parto. As medidas preconizadas de diagnóstico etiológico e as ações de intervenção imediata permanecem como elementos fundamentais na abordagem e tratamento dosangramento pós-parto.
4. Outras recomendações.
Além das recomendações sobre o uso do misoprostol em ginecologia e obstetrícia algumas considerações foram apontadas: 4.1. Considera-se necessário o estabelecimento de protocolos comuns para o uso do misoprostol frente a diferentes formas de utilização; 4.2. Identifica-se a necessidade de capacitação dos profissionais dos serviços de saúde que utilizam misoprostol em suas rotinas.
4.3. Gestores de saúde devem assegurar a disponibilidade do misoprostol nas dosagens apropriadas para cada situação, 25mcg para uso em obstetrícia e 200 mcg para uso em ginecologia.
4.4. Os procedimentos administrativos estabelecidos pela Lei para a aquisição regular do misoprostol devem ser amplamente conhecidos pelos gestores de saúde.
4.5. O Estado deve procurar rever os mecanismos para a aquisição do misoprostol. Cumpridas as exigências pelos serviços de saúde, a autorização deve ser concedida no menor prazo possível.
4.6. Para os hospitais e maternidades e que não disponham de profissional farmacêutico responsável pelo misoprostol, sugere-se que compra e a distribuição domedicamento seja realizada pelo Estado.
Este texto reproduz informações bibliográficas de referências médico-profissionais. A disponibilidade de quaisquer materiais e/ou fármacos eventualmente aqui citados deve observar a regulamentação das autoridades sanitárias no país.

Source: http://aads.org.br/arquivos/Consenso1.pdf

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