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Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura ESCREVENDO E BORDANDO, A NAÇÃO E A BANDEIRA, AS
PALAVRAS E OS ACTOS: SÍMBOLOS E PODER PELA PENA
DE ADELAIDE CABETE E CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO
[…] reclamaria todas as medidas que considero necessárias para modificar a situação deprimente em que se encontra a mulher: Seria meu cuidado constante poder conseguir a igualdade de salários quando a mulher produza tanto como o homem.2 A vida de Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911) é capaz de corporizar, na íntegra, o lema deste congresso: «Mulher, Palavra e Poder». No dia 3 de Maio de 1911, ao longo da entrevista concedida ao jornal O Tempo, revela-se uma mulher convicta na plena maturidade da sua acção feminista, como a epígrafe escolhida deixa saber. As palavras registadas são impressas numa época de grande turbulência no seio da sociedade portuguesa em geral, e no do movimento sufragista liderado por Beatriz Ângelo, em particular. Pouco dias antes desta entrevista, havia sido publicada a sentença favorável proferida pelo juiz da 1ª Vara Cível de Lisboa, João Baptista de Castro [pai da notável escritora Ana de Castro Osório (1872-1935)], pela qual se deixava saber ter sido mandado incluir o nome de Carolina nos cadernos eleitorais. Durante este período, o poder da palavra nunca foi subestimado pelas defensoras do voto feminino. Aliás, o nome da Associação de Propaganda Feminista (APF, 1911-1918) disso mesmo dá conta, pela intensa propaganda que levou a cabo, onde fez uso constante da palavra, dita e escrita, como eficaz instrumento de militância. Outras organizações de militância feminina fizeram-no igualmente, como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP, 1908-1919), que congregou Carolina Beatriz Ângelo, Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório e Maria Veleda, entre muitas outras feministas.3 O papel fundamental desempenhado pelas publicações a. CesNova – FCSH – Universidade Nova de Lisboa 1069-061 2 Carolina Beatriz Ângelo. Entrevista. O Tempo, Lisboa, 3 Maio 1911.
3 Somente em 21 de Abril ficou exarado em acta, terem sido aceites os pedidos de demissão Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura criadas por essas organizações é inquestionável, apesar de as obrigar a um considerável sacrifício financeiro. A Mulher Portuguesa (1912-1913) seguida d’A Semeadora (1915-1918), pela APF, a revista A Mulher e a Criança (1909-1911) da LRMP continuada posteriormente pelo jornal A Madrugada (1911-1918), “traço de união entre todas as consócias”4, dão consistência a esse facto. Do mesmo modo que o Boletim do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP, 1914-1917), depois continuado por Alma Feminina (1917-1946) e posteriormente pel’A Mulher (1946-1947), foram instrumentos fulcrais para a promoção da emancipação feminina e para a luta pelo direito ao voto feminino.
Muita tinta correu, para cobrir as notícias publicadas nos periódicos mais lidos relativas às inúmeras iniciativas que visavam promover o voto de Carolina Beatriz Ângelo.5 Apesar de Maria Veleda, à época dirigente da LRMP, afirmar tratar-se da vitória, não do feminismo mas antes do individual, no dia 28 de Maio de 1911 Carolina protagonizou uma das páginas mais significativas da história das mulheres em Portugal. Aos 33 anos, alegando ser chefe de família, uma vez que estava viúva fazia um ano e quatro meses, do seu colega e marido Januário Duarte Barreto6 (1877-1910), Carolina exercia cirurgia em consultório próprio e tinha a seu cargo a filha menor de oito anos, Maria Emília (1903-1981); era ainda presidente da APF e da Loja Humanidade, na qual havia sido iniciada usando o nome simbólico Lígia, em 1907. Nesta altura a sr.ª D. Beatriz Ângelo invocou o art.º 64 da lei eleitoral, segundo o qual não podem votar os indivíduos que estejam loucos ou embriagados. Dada a forma como a maioria da assembléa se manifestou, por parte de Ana de Castro Osório (sócia nº 172 da LRMP), Carolina Beatriz Ângelo, Rita Dantas Machado, Maria Laura Monteiro Torres e Irene Zuzarte. A Mulher e a Criança, Lisboa, n.º 22, Março 1911, p. 12. 4 A Mulher e a Criança, Lisboa, nº 24, Maio 1911, p. 11.
5 Veja-se a este propósito: MARIA REGINA TAVARES DA SILVA. Carolina Beatriz Ângelo (1877- 1911). Lisboa: CIG, 2005; MARIA REYNOLDS DE SOUZA. A concessão do voto às portuguesas: breve apontamento. Lisboa: CIG, 2006; VANDA GORJÃO. A reivindicação do voto no programa do CNMP (1914-18). Lisboa: ONGs CIDM, 1994.
6 SANTOS PINTO. Dr. Januário Barreto – Médico, primeiro presidente do Sport Lisboa e da Liga Portuguesa de Futebol. Era casado com a Dra. Carolina Beatriz Ângelo a primeira mulher que votou em Portugal. O Casapiano, Ano LIV, n.º 557, Março 2010.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura quando se procedia à segunda chamada, o secretário leu, na devida altura:- D. Carolina Beatriz Angelo!- Sou eu! – exclamou a denodada suffragista, avançando para a meza e entregando a lista ao presidente, enquanto parte da assistencia a saudava com palmas.7 Importa notar a força de que se reveste este acto: estamos perante uma cidadã no exercício da sua cidadania plena. O ter saído vitoriosa não a isolara, uma vez que Carolina não agira por impulso, nem o seu acto fora fruto de individualismo; pelo contrário, como sempre quis deixar claro, a sua determinação na defesa do sufrágio restrito e a sua liderarança da, porventura, mais importante organização feminina da época em Portugal, conferiram nesse dia, a outras mulheres, a assunção do mesmo direito. Se, naquela ocasião, só ela avançou quando o presidente da mesa pronunciou seu nome, respondendo “Sou eu!”, a seu lado avançaram em espírito muitas mulheres e muitos homens do nosso país, tornando aquele acto inédito, motivo de admiração além-fronteiras em muitas nações ditas «civilizadas»; com Carolina Beatriz Ângelo caminharam também naquela hora histórica, as irmãs sufragistas de todos os cantos do mundo.
A zoóloga Bertha Lutz (1894-1976) liderou o movimento sufragista no Brasil e a sua história ultrapassou também em muito as fronteiras do seu país, tendo fundado em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), à qual se juntou em 1931, Alzira Nogueira Reis (1886-1970). O que talvez seja menos conhecido é o facto desta ultima ter co-protagonizado um episódio bastante próximo do de Carolina B. Ângelo em 1911. Curioso é também o facto de um familiar de Alzira, um convicto defensor dos direitos das mulheres e do sufrágio, de nome Francisco Coelho Duarte Badaró (à época juiz municipal em Minas Novas), conceder o título de eleitor a três jovens mulheres em Minas Gerais: Cândida Maria dos Santos, Clotilde de Oliveira e Alzira Reis8. Esta última formou-se depois em medicina, em 1920, 7 A Capital, 28 de Maio de 1911, p.2.
8 Alzira Nogueira Reis, cujo apelido passa a ser Vieira Ferreira após o casamento. Refira- Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura pela UFMJ, tornando-se a primeira médica mineira, depois de ser uma das primeiras três eleitoras no Brasil. Alzira Nogueira escreveu bastante para a época, tendo assinado o opúsculo «Pelo voto feminino», com o pseudónimo de Selva Americana. Embora diferentes fontes revelem disparidade de datas para o acontecimento, variando entre 19059, 190610 e 190711, Alzira permanece como pioneira no sufrágio feminino no Brasil, e Minas Gerais como o primeiro estado brasileiro a conceder o voto às mulheres.12 Ligar estas mulheres na dianteira das bandeiras feministas, por mais incipientes que estas fossem, revela-se ainda hoje uma ferramenta imprescindível para melhor compreender o passado recente, para o qual as fontes frequentemente dispersas, raras e/ou de acesso dificultado, não respondem ainda satisfatoriamente. Afigura-se determinante poder auscultar o modo como as conquistas se foram processando noutros pontos do globo. Havia um desiderato de liberdade e de mudanças sociais e políticas, a mover os espíritos mais liberais, sem distinção de sexo. Também no Brasil, cuja República fora proclamada em 1889, ecoavam orquestrações mais ou menos veladas para incentivar os irmãos republicanos portugueses a lutar contra a monarquia. É portanto legítimo levantar a questão, ainda que meramente académica, se terá sido ventilado em Portugal o voto das mineiras Cândida, Clotilde e Alzira, e se, porventura, teria sido ele inspirador da movimentação da APF; já que Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo requereram a sua inclusão nos cadernos eleitorais, embora apenas Carolina tenha participado na votação, pois para além de diplomada e exercendo uma profissão, era chefe de família. Sem certezas, não deixa de ser um cenário plausível. Maria Reynolds de Sousa13 regista a precocidade se ainda o facto de ter colaborado na Revista Feminina (1914-1936), pioneira na defesa dos direitos da mulher e, muito em particular, na concessão do voto, fundada pela paulista Virgilina Salles de Souza ( ?-1918).
2011]. Disponível em: 12 Alzira e Maria Lacerda de Moura (1887-1945), ambas perfilhando ideais libertários, tornam- se, à sua maneira, activistas do feminismo no Estado que as viu nascer.
13 Op. cit., p. 11. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura com que, em 22 de Abril de 1822, nas Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, Domingos Borges de Barros, deputado pela Baía (Brasil), havia proposto pela primeira vez, o voto para mulheres, mães de seis filhos legítimos, muito embora a sua proposta não tenha sido admitida a discussão. A mesma proposta do sufrágio feminino só voltou a ser colocada, em Portugal, 73 anos depois, durante a «II Conferência Nacional Socialista», realizada em Tomar entre 14 e 16 Outubro de 1895: 5.º Sufrágio universal, directo, com igualdade de direitos e de deveres para todos os indivíduos de um ou de outro sexo. […] advogando disposição transitória: “Sufrágio universal para todos os indivíduos, de qualquer sexo, maiores de 20 anos, que exerçam alguma profissão. […]14 Por outro lado, o direito ao trabalho, assegurando na legislação laboral igual tratamento entre homens e mulheres, a par da instrução, foram desde logo anunciados por Azedo Gneco15, fundador do Partido Socialista Português, afirmando “o Partido Socialista declara que não forma uma escola, nem é exclusivo de uma classe. Procede e procederá sempre sem conclusões dogmáticas, dentro dos progressos da sociologia positiva”16, adiantando a necessidade de equiparação do trabalho da mulher ao do homem quanto a salários (como se pode ler no Art. 14.º), bem como preconizando a urgente “organização de escolas móveis pelo método de João de Deus, em número suficiente para remediar, desde já, o inconveniente escolar dos pequenos 14 Cf .II Conferência Nacional Socialista. A Federação. Órgão das Associações Federadas e do Povo Operário em Geral, Lisboa, n.º 90, Outubro 1895.
15 Eudóxio César Azedo Gneco (1849-1911), maçon, jornalista, foi autor do programa aprovado na «II Conferência Nacional Socialista» realizada em Tomar entre 14 e 16 de Outubro de 1895 (A Federação. Órgão das Associações Federadas e do Povo Operário em Geral, Lisboa, n.º 90, Outubro 1895); nele se encontra a menção ao sufrágio universal para todos os indivíduos, de qualquer sexo, preconizando reformas de transição (ver: «Art.º1º». Aditamento: Reformas de Transição), em que o exercício profissional e a maioridade de 20 anos, não excluía as mulheres, prevendo o direito de elegibilidade a todos os eleitores. Nessa conferência é ainda decidido serem aceites pelo Partido Socialista, integrando o seu programa, as reformas de carácter económico constantes do programa da Confederação Nacional das Associações Operárias (votado no ano anterior, em 1894, no «Congresso Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura povoados17 e ministrar aos adultos os elementos de instrução, em cursos nocturnos” (Art. 6.º)18, a par de muitas outras disposições, das quais salientamos a “reforma das leis, programas, regulamentos e compêndios das escolas públicas, sob o ponto de vista da educação inteiramente laica” (Art. 7.º)19 .
Imediatamente antes do 5 de Outubro, em Agosto de 1910, era difundido na revista da LRMP o texto Glória às Mulheres!, verdadeiro hino às sufragistas.20 Nele se evoca com júbilo a notícia recebida em torno da grandiosa manifestação em Hyde Park, dela fazendo mote para o emblemático artigo na defesa da concessão de voto às mulheres, assinado precisamente por Tomás da Fonseca: Uma grande manifestação de damas sufragistas aprovou esta tarde em Hyde Park uma moção reclamando o direito de voto. Atravessaram Londres e chegaram a Hyde Park, onde se tinham levantado 40 tribunas para as oradoras, seis grandes cortejos conduzindo estandartes e acompanhados de música. Não há memória duma tão grande multidão».
Como eu me sinto renascer, quando vejo a mulher a libertar-se da tutela dos homens e dos códigos! […] Tudo o que for impedir uma função ou um direito, torcer 17 Tomás da Fonseca (1887-1968), republicano, maçon, jornalista, conhecido pelo seu pendor anti-clerical, paladino da instrução para ambos os sexos, apontaria a urgência desses mesmos propósitos defendendo radicalmente a escola laica. Registe-se a título de exemplo um trecho em que o espelha de modo claro: “sem escolas não há independência nem progresso. Os verdadeiros padres somos nós; os professores primários e a escola, a verdadeira igreja”, in Cartilha Nova: para o José Povinho ler à noite ao serão. Edição do Grémio “O Futuro”. Lisboa: Tip. Bayard, 1911, p. 30.
18 Id. Ibidem.
19 Id. Ibidem.
20 A Mulher e a Criança., Lisboa, Agosto 1910, pp. 7-8.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura uma vontade ou uma consciência, é sempre crime, é sempre despotismo, quer isso vá de encontro a um homem, quer vá de encontro a uma mulher.
Porque tanto num caso como noutro, vai de encontro à justiça social, ao direito humano. Que é o mesmo que dizer: ofende a criatura, humilha o indivíduo, despreza e avilta o ser.
Por isso, glória às mulheres de todo o mundo, na reivindicação dos seus direitos! 21 As mulheres, como os homens, usaram a palavra escrita para dar força aos seus ideais, gravando em papel os testemunhos das suas convicções, tantas vezes pronunciados em discursos de comícios. Maria Veleda22 (1871-1955) no advento da República afirmará a importância da instrução, pela qual se baterá empenhadamente ao longo da vida: As mulheres não podem votar; mas convém que se preparem para fazê-lo, num dia, que talvez não venha longe. Os deputados republicanos, defensores da Igualdade não deixarão de levantar no parlamento a questão do sufrágio feminino. A justiça e a coerência de princípios assim o exigem; portanto, nós, mulheres, se ainda não temos o direito do voto, devemos logicamente auxiliar, embora por maneira indirecta, as candidaturas republicanas, influindo no ânimo dos abstencionistas que conhecemos, apontando-lhes a sua obrigação. É um dever moral que nos assiste, o de trabalharmos, nós também, pela causa da República.23 21 Idem, p. 8. Sublinhados nossos.
22 Maria Carolina Frederico Crispim fora iniciada na Maçonaria tornando-se mais conhecida por Maria Veleda, nome simbólico que usa, para além de Angústias. Anti-clericalista, esta algarvia será uma das mais activas propagandistas da LRMP, conhecida pelo seu radicalismo; foi fundadora da Associação Feminina de Propaganda Democrática. Incansável como educadora, lecionou também nos centros escolares republicanos, providenciando instrução em cursos nocturnos. 23 MARIA VELEDA. A Conquista. Lisboa: Tipografia de Francisco Luís Gonçalves, 1909, p. 239.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Resulta clara a convergência entre homens e mulheres cujos ideais de progresso social e político não permitia ignorar os direitos de cidadania a metade dos indivíduos que compunham a humanidade. Ora, residia no facto de se exercer profissão, a prerrogativa para a plena cidadania. Considerada como um passo fundamental, é pelo direito ao trabalho e por salário igual para trabalho igual que se batem as feministas de primeira vaga em Portugal, entre as quais situamos Carolina B. Ângelo e Adelaide Cabete. No fundo, lembramo-nos de Virgínia Wolf (1882-1941) na obra A Room of One’s Own, segundo a qual a independência da mulher passaria pelo bastar-se a si própria; o auto-sustento seria a carta de alforria para a grande maioria das mulheres que, sem instrução, posses ou o reconhecimento de direitos não passavam de escravas: “Women have served all these centuries as looking–glasses possessing the magic and delicious power of reflecting the figure of man at twice its natural size.”24 O poder e a palavra foram durante séculos negados à maioria das mulheres pelo simples facto de o serem. Paulatinamente, elas foram conquistando o púlpito e a tribuna, tornando-se oradoras, e escrevendo fizeram com que a sua voz se ouvisse. Carolina Beatriz Ângelo deixa-nos saber o quanto sentia não ter escrito mais. A correspondência trocada com Ana de Castro Osório25 torna-se portanto imprescindível, no sentido de fundamentar, na primeira pessoa, as relações mantidas ao longo das batalhas que empreendeu. Em carta datada de 2 de Julho de 1911, dirigida a Ana Castro Osório, à época residente no Brasil, acompanhando seu marido que aí fora nomeado cônsul, afirma: “Eu e Cabete estamos habilitando as irmãs da loja Humanidade para poderem prestar alguns serviços de enfermagem se precisos forem”.26 A Adelaide Cabete ligam-na afinidades profissionais do foro científico e clínico, mas também outras. Juntas empreendem, conspirando, o sinal que havia de passar a ser conhecido caso a Revolução vingasse e das suas mãos nasceram as novas cores «verde-rubras»27 da bandeira de Portugal. Estratégia ou militância? 24 VIRGÍNIA WOOLF. A Room of One’s Own. London: Penguin, 1974, p. 37.
25 Veja-se a Colecção de Castro Osório, na secção de reservados da Biblioteca Nacional de Portugal (Esp. N12/419).
26 Idem.
27 ISABEL LOUSADA. Em fazendas verde-rubras. In: AAVV. A Maçonaria e a Implantação da Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Para além da correspondência, outro dos veículos determinantes para recuperar nos nossos dias a voz das mulheres é a imprensa. É através de artigos e entrevistas, por exemplo, que podemos adivinhar relações privilegiadas com as estruturas de poder, esferas de influência e redes de contactos. A entrevista a Carolina publicada em A Vanguarda capta um desses momentos: - V. exc.ª há pouco falou numa reunião maçónica. V. ex.ª é por acaso sócia dessa associação? - Sim, temos uma loja de senhoras no mesmo edifício que os homens; lá temos o direito de votar e também todos os direitos e graduações como eles, trabalhando ali para o mesmo fim, que é a beneficência. - Já se apresentaram muitas senhoras para a Associação de Propaganda Feminista? - Somos pouco mais ou menos umas 50 e entre elas a esposa do Dr. Bernardino Machado. Por enquanto as mulheres portuguesas ainda receiam o ridículo. Imaginam que nós somos uma espécie de mulheres-homens com cabelos curtos e colarinhos altos. Elas deviam compreender o nobre fim da nossa missão e para República. Lisboa: Fundação Mário Soares, 2009, pp. 79-87. (Cf. 28 CARLOS FERRÂO. História República. Lisboa: Século, 1960.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura isso eu gostava muito de fazer algumas conferências em que lhes pudesse explicar o fim do nosso trabalho. Oh! como sinto não poder dispor de mais tempo e dinheiro! Como eu faria propaganda. Não me importava nada que me escarnecessem ou pensassem erradamente a meu respeito. […]Levantou-se e saiu da saleta em que me tinha recebido e quando voltou encontrou-me a admirar um paninho de renda inglesa trabalhado com gosto e que estava nas costas duma poltrona. Disse-me, sorrindo, ter sido feito por ela e que com este trabalho, sem sabê-lo, tinha convertido um anti-feminista. 29 Não terá sido fortuita a necessidade de deixar ficar bem expresso, ser Carolina uma mulher prendada, nem o afirmar aqui serem as suas companheiras de ideal, mulheres virtuosas; denuncia uma preocupação em deixar desprovidos de razão os detractores dos feminismos, que pretendiam confinar a mulher à domesticidade do lar, acusando as transgressoras de negligenciarem tarefas cujas aptidões eram dotes para as suas famílias. Carolina e Adelaide cozeram as bandeiras do novo regime, foram heroínas e transgressoras. Mas foram simultaneamente capazes de ultrapassar os limites impostos por anti-feminismos primários, pelo exemplo das suas vidas repletas de sacrifício, abnegação, coragem, solidariedade e inegável força, enfrentando convencionalismos e tornando-se respeitadas pessoal e profissionalmente.
As organizações internacionais ligadas à emancipação feminina procuraram desde cedo estabelecer pontes, criando congéneres nacionais e procurando, pelo simples anunciar das vitórias alcançadas num outro ponto do globo, incentivar todos (as) aqueles (as) que partilhassem as mesmas convicções. Em Portugal, os ecos internacionais fizeram-se ouvir, e vice-versa; note-se a precocidade com que a médica Adelaide Cabete, 29 Trata-se de um artigo traduzido, publicado com o elucidativo título: O Triunfo do Feminismo - O voto da mulher em Portugal - Um jornal holandês publica uma interessante entrevista com a sr.ª D. Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher que votou em Portugal. A Vanguarda, 18 de Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura no seu primeiro texto, publicado em 1901, munida pelo conhecimento que possui da realidade social e política estrangeira é capaz de o aplicar ao juízo da circunstância nacional: “Instrua-se, instrua-se e respeite-se a mulher, como se faz na Inglaterra e nos Estados Unidos, e ver-se-á como hão-de vir a rarear os casos Collecta, Calmon, e quejandos”.30 Por estas palavras se depreende a importância dedicada à instrução, que permitiria, em seu entender, capacitar a mulher, ilustrando-a, para que se libertasse do julgo das congregações. Se os feitos das “suffragettes” britânicas, em particular da família Pankhurst e da fundação da WSPU31, chegaram ao nosso país, assim também o de Beatriz Ângelo, em 1911, imortalizado pela fotografia com Ana de Castro Osório à saída do clube Estefânia, depois de exercer o seu direito de voto, ultrapassou as fronteiras nacionais. Eram estratégias de empowerement, alavancas fazendo com que outras mulheres (e homens) percorressem as etapas dos caminhos rumo à igualdade. A corroborá-lo lembramos o facto de ter sido distribuída pela APF quase em simultâneo, em língua francesa, a brochura com o título Victoires du Féminisme: Le vote de la femme en Portugal – une sentence favorable: La sentence fut favorable aux féministes portugaises, ce qui veut dire que ce fut un triomphe pour le féminisme mondial.
Espérons que les Constituantes accorderont (avec restriction) le droit de vote aux femmes, et ainsi la République-gouvernement tiendra ce que la République parti d’opposition et révolutionnaire a promis dans ses affirmations et réclamations.
Les femmes suffragistes du Portugal comptent sur la défense brillante du Ministre de la Justice, le Dr. Affonso 30 Os dois casos referem-se, respectivamente, à morte de Sara [Pereira Pinto] de Matos em Lisboa, 1897, e o consequente julgamento da irmã Coleta, acusada de envenamento; e no Porto, em 1901, a morte de Rosa [Maria] Calmon [da Gama], tendo ambos os falecimentos sido aproveitados como propaganda anti-jesuítica no ocaso da Monarquia Constitucional. Veja-se a propósito: ADELAIDE CABETE. Instrua-se a mulher. O Elvense, 9 Maio 1901, p.1.
31 WSPU - Women’s Social and Political Union, fundada em 1903 por Emmeline Pankhurst (1858-1928) e suas filhas, Christabel (1880 - 1958) e Estelle Sylvia Pankhurst (1882-1960).
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Costa, qui l’a déjá promise pour la discussion des Constituantes. Ce ministre qui, dans toutes ses lois, a élevé et protégé la femme portugaise, ajoutera encore à sa gloire en se mettant à nos côtes, dans cette question de justice. Le Dr. Teófilo Braga est aussi avec nous, ainsi que le Dr. Bernardino Machado, et le ministre des finances, Mr. José Relvas, n’est pas notre ennemi, comme il nous l’a affirmé personnellement. Nous ne pouvons rien dire des ministres de la Guerre et de la Marine auxquels nous n’avons pas encore parlé à cet égard, mais les opinions de ceux du Grand Maitre de la Franc-Maçonnerie portugaise, le Dr. Magalhães Lima [(1851-1928)], franchement de notre côté,suffisent pour nous assurcer le triomphe de fait, aux prochaines Constituantes. Voici l’histoire de la sentence en faveur du suffrage de la femme en Portugal, laquelle nous faisons un plaisir de transcrire ci-dessous.32 Embora longa, optámos por transcrever esta citação porque ela traduz o modo como se relacionavam estas sufragistas com o poder. Em rigor, Afonso Costa (1871-1937), Teófilo Braga (1843-1924), Bernardino Machado (1851-1937) e José Relvas (1858-1929), mostravam-se favoráveis no apoio ao sufrágio feminino, sendo certo que: O estadista [Bernardino Machado] defendeu o direito de voto para a mulher em três conjuncturas diferentes: em 1911 quando integrava o governo provisório e se discutia a lei eleitoral; em 1924, no momento em que presidiu à sessão de abertura do primeiro Congresso Feminista e da Educação, em 1932, durante o segundo exílio.
Todas as circunstâncias levam a crer que o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório tenha apoiado, em 1911, uma representação da Liga Republicana 32 Victoires du Féminisme: Le vote de la femme en Portugal – une sentence favorable. Lisboa : Tip. Libânio da Silva, 1911, pp. 6-7.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura Não obstante, contrariando em muito as expectativas das sufragistas republicanas e após aguerrido e empolgante debate parlamentar34, a lei de 3 de Julho de 1913 explicitou na sua disposição: Art.º 1.º São eleitores de cargos legislativos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos […] que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português e residam no território da República Portuguesa.
Carolina morrera entretanto, a 3 de Outubro de 1911. De alguma forma, providencialmente foi poupada à derrota. Adelaide, em contrapartida continua a lutar até à morte (em 1935), liderando o CNMP, vindo a ser comparada, pela sufragista Clara Campoamor Rodríguez (1888-1972), à mártir granadina Mariana Pineda (1804-1831)35 , em entrevista concedida à jurista espanhola como o periódico La Libertad testemunha.36 E ontem como hoje, mulheres como nós, foram-se preparando, Um dia foi passado sobre o da entrega das bandeiras, mais outro, ainda outro e só no terceiro, lobrigamos um pequeno salto no grande baluarte da República, “O Mundo”, ainda dirigido pelo intemerato e saudoso 33 O sufrágio “universal”. In: Elzira Dantas Machado Rosa. A educação feminina na obra pedagógica de Bernardino Machado, CMVNF - Museu Bernardino Machado, 1999, p. 59.
34 ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO. Análise dos debates travados na Assembleia Constituinte de 1911: Projectos de Constituição apresentados e texto final da Constituição. In: AAVV. Catálogo sobre a Comemoração da Aprovação da Constituição de 1911. Lisboa: Assembléia da República [no prelo].
35 Heroína liberal, foi executada em 26 de Maio de 1831, tendo bordado a bandeira da liberdade. A sua morte permaneceu na memória do povo como símbolo revolucionário.
36 ISABEL LOUSADA. Em fazendas verde-rubras. In: AAVV. A Maçonaria e a Implantação da República. Lisboa: Fundação Mário Soares, 2009, p .86. Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura França Borges, falando da hidra, de tropas de prevenção, etc. O movimento não tinha sido posto em execução por qualquer circunstância. // Não desesperámos. // Os dias foram passando. // Surge, porém, o 4 e 5 de Outubro. // Não foi surpresa. // Que emoções! // Que alegrias! E depois as manifestações de regosijo?! // A parte baixa da cidade estava repleta de povo que tinha descido dos seus bairros. // Eram palmas, abraços, vivas, gritos, tudo quanto a efusão de alegria podia fazer para exteriorizar o sentimento íntimo de cada um. // Horas que já lá vão longe e que não tenho esperança de tornar a vivê-las de novo.//E como é bom recordar o passado! // Que fé! // Que esperança! // Que futuro risonho despontava! // Era a República. // Era a realização do ideal de tantos anos de luta, de sacrifícios, de esforços inauditos, de conspirações perigosas e de grandes contrariedades e desfalecimentos.37 Palavras que chegam até nós deixando-nos saber como estas 37 ADELAIDE CABETE. 1910. Notícias do Norte, Braga, 5 de Outubro, 1920, p. 3.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura CARMO, ISABEL DO CARMO; AMÂNCIO, LÍGIA. Vozes insubmissas: A história das mulheres e dos homens que lutaram pela igualdade dos sexos quando era crime fazê-lo. 2ª Edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2004.
GARCIA, MARIA ANTONIETA. Carolina Beatriz Ângelo: Guarda(dora) da Liberdade (1878-1911). Guarda: Câmara Municipal da Guarda – Núcleo de Animação Cultural, 2009.
GORJÃO, VANDA. A reivindicação do voto no programa do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1914-1918). Lisboa: ONGS da CIDM, 1994.
LOUSADA, ISABEL. Em fazenda verde-rubras. In: AAVV. A Maçonaria e a Implantação da República. Lisboa: Fundação Mário Soares / GOL, 2009, pp.78-87.
LOUSADA, ISABEL. Adelaide Cabete (1867-1935). Lisboa: Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Presidência do Conselho de Ministros, 2010.
LOUSADA, ISABEL. Perfil de uma pioneira: Adelaide Cabete 1856-1935. Lisboa: Fonte da Palavra / Associação Cedro, 2011.
SAMARA, MARIA ALICE. Adelaide Cabete: a incansável lutadora. In: Maria Alice Samara. Operárias e Burguesas – As mulheres no tempo da República. 1.ª Edição. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2007, pp. 97-111.
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Source: http://www.telunb.com.br/mulhereliteratura/anais/wp-content/uploads/2012/01/isabel_lousada.pdf

Liste génériques 2011 08

LISTE DES GENERIQUES – Document SIDERAL-Santé / Pharmasoins 31 Mise à Jour : 08 Août 2011 Page 1 / 7 PRINCEPS Principales formes Acarbose 50 et 100 mg Acebutolol 200 et 400 mg EXOMUC, FLUIMUCIL, Acétylcystéine 100 et 200 mg / Cp et sachets MUCOMYST Aciclovir Cp à 200 et 800 mg / crème Acide Alendronique 40 mg / Bte de 4 ou 12

Articol 2.cdr

ACÞIUNEA UNOR AGENÞI ANTIINFECÞIOªI ASUPRA TULPINILOR DE ESCHERICHIA COLI UROPATOGENE Anca Ungureanu , Mirela Manolescu , Adriana Turculeanu , Maria Bãlãºoiu , Carmen Avrãmescu , Maria Dobriþoiu Rezumat. În lucrarea de faþã, am luat în studiu Abstract. In the present paper we have studied the sensibilitatea la antibiotice a 312 tulpini de Escherichia coli, susce

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